RESTROSPECTIVAS-ULBRA/SM, é o blog da disciplina de TÉCNICAS RETROSPECTIVAS, do Curso de Arquitetura e Urbanismo da ULBRA da cidade de Santa Maria/RS. A disciplina parte do início do restauro como ação, com finalidade distinta da criação arquitetônica, passando pelas diversas diretrizes adotadas ao longo do tempo até chegar às mais recentes tendências, consideradas em relação à progressiva ampliação deste campo disciplinar. Técnicas Retrospectivas, também abordam os critérios de intervenção inerentes à cidade e ao território entendidos na sua complexidade, observando a relação entre crescimento e propostas de regulamentação. A história das modificações do ambiente vem relacionada com os problemas de catalogação, conservação e restauro, visando o estudo e a documentação do ambiente histórico como base para intervenções adequadas e voltadas para uma conservação ativa.
Também fazem parte deste blog publicações das disciplinas de MEIOS DE EXPRESSÃO, ESPAÇO E COMPOSIÇÃO, REPRESENTAÇÃO GRÁFICA, TÓPICOS II e ESTUDOS DA FORMA, como prática de interdisciplinaridade.


domingo, 20 de dezembro de 2009

AOS ALUNOS DA ULBRA/SM- 2009/2

O FIM DA TARDE
Fabrício Carpinejar

O fim da tarde é severo, já me avisou Raimundo Carrero. Não se pode brincar com a seriedade do entardecer. Não se encontra ânimo para mentiras, brincadeiras, conversas paralelas. É olhar de frente. Período em que se fala as verdades e se assobia para a noite não estranhar a casa. As lojas enrolam suas portas, o que era para ser julgado foi julgado em horário comercial. O vendedor ambulante toma a calçada com sua esteira de praia. O fim da tarde deixa até os animais preocupados, os cães se prostram nos portões, os gatos se devolvem para as janelas, os lobos se aninham nas patas, os cavalos dormem nas viseiras. O fim da tarde é uma manhã escura, uma noite clara: as crianças revisam os brinquedos. O fim da tarde é retirar o sapato, ainda de sangue quente, e desprezá-lo ao lado como um desconhecido esmolando atalhos. O fim da tarde é severo, a vida não mais está em jogo, penso em lavar os cabelos com o vento, sentar em uma cadeira para fora da varanda e deixar algo amadurecer sem minha ajuda. O fim da tarde costuma ser o momento em que se vacila os medos, as certezas, as convicções. É pintar os ruídos, tirar o boné e deixar os talheres se misturarem na gaveta. O fim da tarde é o molho de chaves, a eletricidade anônima, a porta descascando. O fim da tarde pede desculpas como quem pede um copo de água. A camisa está dobrada, vincada, com um cheiro entre a sujeira e a vida iniciada. É preciso acalmar as roupas. O fim da tarde é um sofrer sem sofrimento, um ter acontecido por amor ou esquecimento. Não se diz nada em voz alta. Pentes com três dentes servem para mastigar. Não é hora de se curvar para pegar moeda ou de esconder pensamentos, doenças, fragilidade. Há justiça no abandono. A gente sorri porque os pés estão esticados, semelhantes às raízes de baobá. O fim da tarde é alguma coisa que falta, que foi embora, sumiu, e ficamos aguardando sem noção alguma do que seja. O fim da tarde é uma paciência do que foi, um começo do que acabou. Move-se o alimento com indulgência, sem vencer ou perder. As palavras estão atrasadas para serem escritas. Cochilo de cansado e vou abrindo os olhos desajeitados, pela insistência que só vira mesmo esperança no fim da tarde.


terça-feira, 1 de dezembro de 2009